Unindo influências de
Quentin Tarantino, literatura pulp e narrativas de Rubem Fonseca, a escritora
carioca construiu um universo habitado por personagens embrutecidos, porém
demasiadamente humanos.
Ao longo de uma década, a carioca Ana Paula Maia construiu
uma trajetória promissora na literatura. A escritora, que já teve empreitadas
em bandas de rock, cursos de ciências da computação e aulas de piano clássico, hoje
faz parte de uma nova geração de jovens escritores, que apostaram numa produção
literária à parte do paradigma que define os romancistas consagrados nas letras
nacionais. Na contramão de influências tradicionais, ela prefere interagir com
matérias-primas pouco peculiares: narrativas de Rubem Fonseca, estéticas pulp e o cinema icônico de Quentin
Tarantino.
Insólita, visceral e realista, suas estórias ambientam-se em
submundos para assimilar sua dinâmica, captar suas particularidades e conhecer
a essência de seus habitantes.
Traduzindo como “violência suburbana” o perfil naturalista de sua ficção,
Ana Paula Maia apresenta ao leitor uma sucessão de personagens underground: cremadores, assassinos,
bicheiros, operadores de britadeira, desentupidores de esgoto e apostadores,
seres marginalizados, embrutecidos, parcialmente invisíveis aos olhos
desatentos, porém fundamentais à estabilidade de uma estrutura social.
Com 5 romances, participações em várias antologias e
publicações internacionais, a criadora do primeiro folhetim pulp da internet brasileira exibe seus homens-besta como identidades forjadas
através do trabalho que executam, o que não a impede de vislumbrar no interior
de suas rígidas cascas o último e mais doce fragmento de suas qualidades
humanas.
Nesta entrevista, Ana Paula Maia conversa comigo sobre o
início da carreira, suas marcas autorais, novos escritores e futuras
publicações.
Primeiramente, eu queria saber o que você estava fazendo antes de
começar a escrever.
Eu fazia faculdade de Comunicação Social, lia diversos
autores e assistia a filmes e seriados de TV.
Essas experiências anteriores, direta ou indiretamente, influenciaram o
surgimento de Habitante das Falhas Subterrâneas, tua estréia, que, inclusive,
teve relançamento no fim do ano passado pela editora Oito e Meio. Gostaria que
você falasse um pouco sobre este livro, que contrasta com os teus romances sucessores.
Meu romance de estréia fala pouco sobre minhas reais
influências e eu ainda não tinha maturidade naquele momento para escrever sobre
o que eu gostava. Ou seja, os romances que vieram a seguir. Meu primeiro
romance não dialoga com o meu universo particular dentro da literatura, mas foi
um projeto de estréia que me ajudou a ter fôlego para escrever os seguintes.
Ele possui uma influência direta com o escritor Salinger e o
livro "O apanhador no campo de
centeio". Depois disso, em "A
guerra dos bastardos", consegui avançar dentro de um texto que
realmente dialoga comigo e minhas referências.
Com A Guerra dos Bastardos tu inicia uma empreitada que rompe com o
programa de formação iniciado com tua estréia, penetrando pouco a pouco num
universo naturalista, responsável pela projeção de seu trabalho na mídia e
reconhecimento entre a crítica. Me conta o que influenciou esta mudança de
estilo.
Meu estilo literário
se inicia em "Entre rinhas de
cachorros e porcos abatidos", porém, em "A Guerra dos bastardos" eu dava os primeiros passos para isso.
Gosto quando sou mais enxuta com as palavras, quando o texto é menos
digressivo. Mas sim, em "A guerra
dos bastardos" eu não mudo meu estilo, mas sim, consigo finalmente
escrever sob influência das particularidades do meu olhar a respeito do mundo e
também aquela voz autoral torna-se um pouco mais clara. Esse foi o caminho para
o livro que viria a seguir: "Entre
rinhas de cachorros e porcos abatidos". Quando finalmente encontrei
meu estilo, minha voz autoral.
Muitos escritores não se sentem à vontade para discutir questões que
digam respeito a autoria hoje em dia, entretanto, é impossível não perceber nas
tuas produções uma marca de estilo, que se expressa na tua opção de escrita, na
elaboração dos personagens, na assimilação de tuas influências e em todo o
universo pessoal que vai sendo desvelado gradualmente por uma experiência
pessoal com a literatura. Como você avalia esta discussão sobre a autoria no
seu trabalho?
Quando comecei a escrever eu não pensava em uma marca
autoral, mas isso mudou ao longo dos livros e se tornou evidente que eu
percorro um caminho particular na literatura brasileira. Desde então, passei a reconhecer que possuo
um texto autoral, marcado por tipos de personagens, diálogos, ambientação e
narração. O conjunto formado por esses elementos cria um discurso pessoal, que
não é fácil de ser identificado pelo autor de imediato. Tenho limitações ao narrar um romance, é
claro, existem dificuldades, mas tenho liberdade diante da tela em branco e ela
não me amedronta, até porque as estórias nascem na minha alma, nas minhas
reflexões.
Penso amplamente a respeito do universo que quero narrar e
gosto muito de ficar vagando por ele, ouvindo os personagens e buscando a
próxima estória. Acontece que eu trafego pelo mesmo universo e ele me agrada e
é dele que tiro minhas estórias e só sei falar através da boca de certos tipos
de personagens. A ficção me possibilita
aquilo que o capitão Kirk fala em todas as aberturas do seriado Star Trek: "desbravar novos mundos, descobrir novas civilização. Indo aonde nenhum
homem jamais esteve"
Bem, de um jeito mais introspectivo, eu visito realidades e
possibilidades dentro desse mesmo mundo em que vivo e estou em confronto direto
com personagens que me provocam, me assustam e até mesmo me dão medo.
Aproveitando esta discussão sobre autoria, gostaria que você contasse
um pouco sobre o personagem Edgar Wilson, que é um personagem-link na tua
produção literária.
O Edgar Wilson é um rosto familiar. Desde que ele surgiu, em
2005, nunca mais saiu da minha vida. Apesar de ser fruto da minha imaginação,
ele é real (risos). O que eu poderia falar sobre o Edgar... Bom, ele me ajuda a
contar algumas estórias, gosto de tê-lo por perto. É como um irmão mais velho
que resolve os problemas quando eu não consigo dar conta. Aliás, tenho essa
relação com muitos dos meus personagens. Alguns deles me permitem a ir a certos
lugares dentro da ficção que eu não poderia ir sozinha.
Você tem participações em várias antologias, que vão da Geração Zero
Zero a publicações internacionais, como a Sex’ n’ Bossa, responsáveis pela
divulgação de novos escritores brasileiros. Qual a sua relação com estes novos
escritores e como você avalia a produção destes conteúdos, num momento em que
tanta produção ganha espaço através da diversidade de olhares que tem
convergido para os escritores de blogs e outras plataformas?
Tenho participado de muitas antologias. Bem, a minha relação
com os novos escritores, em geral, é distante. Tenho uns favoritos, mas sei
pouco o que acontece nesse âmbito. Há pouco mais de dez anos, quando eu quis
saber o que acontecia no cenário literário brasileiro, poucos antes de publicar
o meu primeiro romance, eu comprei uma antologia de contos: "Geração 90 - Manuscritos de computador"
( Antologia organizada pelo Nelson de Oliveira, responsável pela apresentação
de escritores “de computador”, tais como Marcelo Mirisola, Marcelino Freire e Cíntia
Moscovich). Ali, eu pude conhecer um pouco do panorama e da produção no país.
De uns contos eu gostei e de outros não. As antologias são bons meios de se
conhecer novos e antigos escritores. Através de um conto, chega-se as obras de
um autor.
As antologias de contos ainda são uma seleção de textos que
agrada ao leitor que chega a uma livraria, virtual ou física. Para mim, é um
meio de se conhecer a produção literária a grosso modo. O leitor é quem decide
qual o autor ele quer ler mais detalhadamente.
Além da literatura, você possui interesse em realizar produções em
outras mídias ( cinema, por exemplo)?
Sim. Escrevi a adaptação do romance "Santa Maria do Circo", do escritor
mexicano David Toscana, em parceria com o ator Guilherme Weber, que vai dirigir
o filme.
Li notícias recentes sobre o lançamento de um novo romance teu. Poderia
falar sobre este projeto e previsão de lançamento?
Meu novo romance se chama "De gados e homens". Está previsto para este ano, mas ainda não
sei desses detalhes. O título pode ser lido como uma brevíssima sinopse do
livro. O Edgar Wilson é o protagonista e a estória se passa uns dois anos
depois do romance "Carvão animal".
Tudo ocorre num matadouro de gado bovino e nos seus
arredores. É um cenário um tanto desolador, mas bonito também. Até que umas
coisas estranhas começam a acontecer com o gado e isso começa a afetar a vida
daqueles homens e dos moradores da região.
Vai ser difícil comer um hambúrguer outra vez.