Adam Ant surge na música como um ícone complexo. Após a onda glam, que consolidou no rock a integração de música e imagem, Adam emerge da recente new wave com a banda The Ants, trazendo na sua bagagem uma performance cáustica, influenciada pela música punk. Assessorado pelo lendário Malcolm Mclaren, Adam reinventou-se e, como convém ao mercado, distribuiu a cada lançamento dos seus discos uma nova versão de si mesmo, atitude que, não só movimentou a badaladíssima década de 80, como contribuiu para a popularização do videoclip.
De sua trajectória de sucesso como frontman do grupo destacam-se registos como “Dirk Wears White Sox” (1979) e “Prince Charming” ( 1981), mas nenhum dos citados correspondeu em termos de expectativas e críticas ao sucesso de “Kings of the Wild Frontier”. O álbum, que emerge da ressaca punk, tornou-se conhecido por singles como «Antmusic» e «Dog Eat Dog», e é o que melhor coroa as experiências de um grupo cujo maior mérito foi, sem dúvida, operar influências de iconografias pop em figurinos sui generis. Ocupando o pódio na lista de discos mais vendidos do Reino Unido, o sucesso de “Kings of the Wild Frontier” rendeu ao grupo um Grammy, mas foi incapaz de prorrogar o fim da banda que, ao lado de Japan e Culture Club, reconfiguraram na música aquilo a que a crítica especializada definiria como new romanticism.
Adam Ant segue a carreira a solo e os seus estigmas acompanham o sucesso de uma empreitada marcada pelo lançamento de “Friend or Foe”. Lançado em 1982, o disco parece confirmar a disposição de Ant, a julgar pela recepção positiva da crítica musical. Com “Strip” (1983), aplainam-se os ânimos, iniciam-se os silêncios, e Adam gradualmente desaparece. Se o vigor do início dos seus álbuns parecera o melhor de seus predicados, em “Vive Le Rock” (1985), aperformance demasiadamente calculada de Adam, somada ao pouco interesse pelo álbum, não deixavam dúvidas sobre o fim de sua carreira. Como uma vedeta decadente, Adam Ant atravessou a década de 90 no meio de confusões, crises de depressão e empreitadas de sucesso na dramaturgia que em quase nada contribuíram para o lançamento de “Manners e Physique” (1990) e “Wonderful” (1995).
Em 2013, Sir Ant ressurge das cinzas. Renovado. Visivelmente maduro e emocionalmente estável. Lançado dia 21 de Janeiro pelo próprio selo, o Blueblack Hussar Records, “Adam Ant Is the Blueblack Hussar in Marrying the Gunner’s Daughter” ironiza a indústria da música, amplia o seu horizonte de influências musicais e preserva uma identidade musical que, mesmo após uma sucessão de colapsos, mostra a sua firmeza. Lançado como álbum duplo em CD e em edição de luxo para vinil, “Adam Ant Is the Blueblack Hussar in Marrying the Gunner’s Daughter” obteve boa recepção da crítica. Dave Simpson, do The Guardian, descreveu o álbum como um híbrido que reúne os melhores elementos da era dourada de Ant: glam, referência a ícones cult e sexo. Will Hodgkinson, da The Times, não poupou críticas ao formato do álbum, mas destacou a força criativa de Adam, face a conturbadas tentativas para manter o status de artista pop obtido na década de 80.
Abrindo o álbum, a faixa «Cool Zombie» mostra um Ant musicalmente mais amadurecido, investindo em sistemas melódicos mais trabalhados, no slide guitar e na referência folk. Uma inclinação mid-fi, que remete à sua estreia com os The Ants, é visível durante todo o álbum, como mostra a faixa «Dirty Beast». Homenagens também não são poupadas: as faixas «Who’s a Guffy Bunny» e «Viviene’s Tears» são dedicadas, respectivamente, a Normal Mclaren e Vivienne Westwood, personagens fundamentais na consolidação de uma estética própria aos músicos numa época em que a imagem ocupava lugar fundamental na promoção de alguma novidade no mercado fonográfico. Fechando o álbum, a instrumental «How Can I Say I Miss You?» parece justificar um retorno às origens do post-punk.
“Adam Ant Is the Blueblack Hussar in Marrying the Gunner’s Daughter” é um álbum honesto. Após o hiato de quase duas décadas, Adam Ant está consciente de que o pódio é um espaço conferido aos seus sucessores. Mas está também consciente do legado musical que deixou a bandas como Suede, Elastica e Nine Inch Nails. “Adam Ant Is the Blueblack Hussar in Marrying the Gunner’s Daughter” parece soar como um álbum-ensaio: vai ao lugar de origem para revisar códigos e rever a posição do artista face ao desafio de seduzir um público que, se reconhece anew wave, é pelo seu legado contemporâneo, jamais pela sua inclusão.
Publicado no site Rua de Baixo, Edição Nº89, Fevereiro, 2013