quarta-feira, 20 de março de 2013

O Revival Naturalista de Ana Paula Maia


Unindo influências de Quentin Tarantino, literatura pulp e narrativas de Rubem Fonseca, a escritora carioca construiu um universo habitado por personagens embrutecidos, porém demasiadamente humanos.






     Ao longo de uma década, a carioca Ana Paula Maia construiu uma trajetória promissora na literatura. A escritora, que já teve empreitadas em bandas de rock, cursos de ciências da computação e aulas de piano clássico, hoje faz parte de uma nova geração de jovens escritores, que apostaram numa produção literária à parte do paradigma que define os romancistas consagrados nas letras nacionais. Na contramão de influências tradicionais, ela prefere interagir com matérias-primas pouco peculiares: narrativas de Rubem Fonseca, estéticas pulp e o cinema icônico de Quentin Tarantino.
     Insólita, visceral e realista, suas estórias ambientam-se em submundos para assimilar sua dinâmica, captar suas particularidades e conhecer a essência de seus habitantes.  Traduzindo como “violência suburbana” o perfil naturalista de sua ficção, Ana Paula Maia apresenta ao leitor uma sucessão de personagens underground: cremadores, assassinos, bicheiros, operadores de britadeira, desentupidores de esgoto e apostadores, seres marginalizados, embrutecidos, parcialmente invisíveis aos olhos desatentos, porém fundamentais à estabilidade de uma estrutura social.
     Com 5 romances, participações em várias antologias e publicações internacionais, a criadora do primeiro folhetim pulp da internet brasileira exibe seus homens-besta como identidades forjadas através do trabalho que executam, o que não a impede de vislumbrar no interior de suas rígidas cascas o último e mais doce fragmento de suas qualidades humanas.
     Nesta entrevista, Ana Paula Maia conversa comigo sobre o início da carreira, suas marcas autorais, novos escritores e futuras publicações.


Primeiramente, eu queria saber o que você estava fazendo antes de começar a escrever.

Eu fazia faculdade de Comunicação Social, lia diversos autores e assistia a filmes e seriados de TV.

Essas experiências anteriores, direta ou indiretamente, influenciaram o surgimento de Habitante das Falhas Subterrâneas, tua estréia, que, inclusive, teve relançamento no fim do ano passado pela editora Oito e Meio. Gostaria que você falasse um pouco sobre este livro, que contrasta com os teus romances sucessores.

Meu romance de estréia fala pouco sobre minhas reais influências e eu ainda não tinha maturidade naquele momento para escrever sobre o que eu gostava. Ou seja, os romances que vieram a seguir. Meu primeiro romance não dialoga com o meu universo particular dentro da literatura, mas foi um projeto de estréia que me ajudou a ter fôlego para escrever os seguintes.
Ele possui uma influência direta com o escritor Salinger e o livro "O apanhador no campo de centeio". Depois disso, em "A guerra dos bastardos", consegui avançar dentro de um texto que realmente dialoga comigo e minhas referências.

Com A Guerra dos Bastardos tu inicia uma empreitada que rompe com o programa de formação iniciado com tua estréia, penetrando pouco a pouco num universo naturalista, responsável pela projeção de seu trabalho na mídia e reconhecimento entre a crítica. Me conta o que influenciou esta mudança de estilo.

Meu estilo literário se inicia em "Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos", porém, em "A Guerra dos bastardos" eu dava os primeiros passos para isso. Gosto quando sou mais enxuta com as palavras, quando o texto é menos digressivo. Mas sim, em "A guerra dos bastardos" eu não mudo meu estilo, mas sim, consigo finalmente escrever sob influência das particularidades do meu olhar a respeito do mundo e também aquela voz autoral torna-se um pouco mais clara. Esse foi o caminho para o livro que viria a seguir: "Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos". Quando finalmente encontrei meu estilo, minha voz autoral.

Muitos escritores não se sentem à vontade para discutir questões que digam respeito a autoria hoje em dia, entretanto, é impossível não perceber nas tuas produções uma marca de estilo, que se expressa na tua opção de escrita, na elaboração dos personagens, na assimilação de tuas influências e em todo o universo pessoal que vai sendo desvelado gradualmente por uma experiência pessoal com a literatura. Como você avalia esta discussão sobre a autoria no seu trabalho?

Quando comecei a escrever eu não pensava em uma marca autoral, mas isso mudou ao longo dos livros e se tornou evidente que eu percorro um caminho particular na literatura brasileira.  Desde então, passei a reconhecer que possuo um texto autoral, marcado por tipos de personagens, diálogos, ambientação e narração. O conjunto formado por esses elementos cria um discurso pessoal, que não é fácil de ser identificado pelo autor de imediato.  Tenho limitações ao narrar um romance, é claro, existem dificuldades, mas tenho liberdade diante da tela em branco e ela não me amedronta, até porque as estórias nascem na minha alma, nas minhas reflexões.
Penso amplamente a respeito do universo que quero narrar e gosto muito de ficar vagando por ele, ouvindo os personagens e buscando a próxima estória. Acontece que eu trafego pelo mesmo universo e ele me agrada e é dele que tiro minhas estórias e só sei falar através da boca de certos tipos de personagens.  A ficção me possibilita aquilo que o capitão Kirk fala em todas as aberturas do seriado Star Trek: "desbravar novos mundos, descobrir novas civilização. Indo aonde nenhum homem jamais esteve"
Bem, de um jeito mais introspectivo, eu visito realidades e possibilidades dentro desse mesmo mundo em que vivo e estou em confronto direto com personagens que me provocam, me assustam e até mesmo me dão medo.

Aproveitando esta discussão sobre autoria, gostaria que você contasse um pouco sobre o personagem Edgar Wilson, que é um personagem-link na tua produção literária.

O Edgar Wilson é um rosto familiar. Desde que ele surgiu, em 2005, nunca mais saiu da minha vida. Apesar de ser fruto da minha imaginação, ele é real (risos). O que eu poderia falar sobre o Edgar... Bom, ele me ajuda a contar algumas estórias, gosto de tê-lo por perto. É como um irmão mais velho que resolve os problemas quando eu não consigo dar conta. Aliás, tenho essa relação com muitos dos meus personagens. Alguns deles me permitem a ir a certos lugares dentro da ficção que eu não poderia ir sozinha.

Você tem participações em várias antologias, que vão da Geração Zero Zero a publicações internacionais, como a Sex’ n’ Bossa, responsáveis pela divulgação de novos escritores brasileiros. Qual a sua relação com estes novos escritores e como você avalia a produção destes conteúdos, num momento em que tanta produção ganha espaço através da diversidade de olhares que tem convergido para os escritores de blogs e outras plataformas?

Tenho participado de muitas antologias. Bem, a minha relação com os novos escritores, em geral, é distante. Tenho uns favoritos, mas sei pouco o que acontece nesse âmbito. Há pouco mais de dez anos, quando eu quis saber o que acontecia no cenário literário brasileiro, poucos antes de publicar o meu primeiro romance, eu comprei uma antologia de contos: "Geração 90 - Manuscritos de computador" ( Antologia organizada pelo Nelson de Oliveira, responsável pela apresentação de escritores “de computador”, tais como Marcelo Mirisola, Marcelino Freire e Cíntia Moscovich). Ali, eu pude conhecer um pouco do panorama e da produção no país. De uns contos eu gostei e de outros não. As antologias são bons meios de se conhecer novos e antigos escritores. Através de um conto, chega-se as obras de um autor.
As antologias de contos ainda são uma seleção de textos que agrada ao leitor que chega a uma livraria, virtual ou física. Para mim, é um meio de se conhecer a produção literária a grosso modo. O leitor é quem decide qual o autor ele quer ler mais detalhadamente.

Além da literatura, você possui interesse em realizar produções em outras mídias ( cinema, por exemplo)?

Sim. Escrevi a adaptação do romance "Santa Maria do Circo", do escritor mexicano David Toscana, em parceria com o ator Guilherme Weber, que vai dirigir o filme.

Li notícias recentes sobre o lançamento de um novo romance teu. Poderia falar sobre este projeto e previsão de lançamento?

Meu novo romance se chama "De gados e homens". Está previsto para este ano, mas ainda não sei desses detalhes. O título pode ser lido como uma brevíssima sinopse do livro. O Edgar Wilson é o protagonista e a estória se passa uns dois anos depois do romance "Carvão animal".
Tudo ocorre num matadouro de gado bovino e nos seus arredores. É um cenário um tanto desolador, mas bonito também. Até que umas coisas estranhas começam a acontecer com o gado e isso começa a afetar a vida daqueles homens e dos moradores da região.
Vai ser difícil comer um hambúrguer outra vez.





Publicado no jornal O Estado do Maranhão, edição de 17 de Março de 2013



Literatura do Mal


Conheça a história da editora independente que começou com escritores virtuais e projetou na mídia o recente legado da literatura underground.




O início 

     Eles começaram anônimos, escrevendo em fanzines eletrônicos, junto de outros colaboradores também anônimos: lá falavam de tudo. Chegaram até a agregar alguns milhares de seguidores fervorosos de suas publicações. A história, até aqui, não é diferente da que muita gente conta quando firma parcerias deste gênero, salvo pelo benefício da obstinação e afirmação da criatividade dos escritores Daniel Pellizzari, Daniel Galera e do artista plástico Guilherme Pila
     Organizando festas, produzindo material para outras colaborações, chegaram, então, a uma conclusão: montar uma editora independente, que pudesse dar cara aos escritores perdidos dispersos em sítios eletrônicos e publicar seus trabalhos.  Sem grana, inscrevem seu projeto na FUNPROARTE, programa de financiamento cultural da Prefeitura de Porto Alegre. Aprovado em primeiro lugar no edital, entre tantos outros concorrentes de diversas áreas, eis que surge  a Livros do Mal. A editora começou assim, como uma vitrine experimental, cujo sucesso consistiu em juntar jovens cabeças e novas idéias, sob um mesmo selo. Inicialmente, publicaram dois livros de contos, Ovelhas que voam se Perdem no Céu, de Pellizzari, e Dentes Guardados, do Galera. Depois Vieram Paulo Scott  Joca Reiners Terron, e mais outros escritores, dando corpo ao projeto.

A estética  
  
     Embora cada um dos escritores possuam características diferenciadas, é patente o modo como cada particularidade tende a se cruzar e integrar harmoniosamente o perfil da editora. Influenciados por gente como Hilda Hilst, Georges Bataille e João Gilberto Noll ( que chegou a escrever a orelha do segundo título de Galera),  a Livros do Mal prima pelo contraponto a todo modelo engessado de literatura produzida e – há algumas décadas – abarcada no grande território do contemporâneo. Preferem definir seu trabalho como uma literatura de gênero, cuja volubilidade está justamente em transitar pelo romance policial, pelo gore, ou pelo surrealismo, sem estabelecer nesse trânsito um lugar de chegada e tampouco deslumbrar-se com o ufanismo pop.
     Suas narrativas, povoadas por personagens suburbanos entediados, situações absurdas e fábulas fantásticas, trazem consigo a agilidade dos contos e o frescor de novas formas de contar história. Gaúcha da gema, prefere abandonar a tendência dos romances históricos por personagens atuais, cuja vida, por mais desinteressante que possa ser, constitui um argumento pertinente para uma boa história. 

O Reconhecimento

     O reconhecimento da editora foi quase imediato: em pouco tempo, já estampavam suas caras em suplementos de jornais como Zero Hora, O Globo, revistas como Época e Bravo, ganhando simpatia, tanto dos jornalistas quanto por parte da crítica especializada.
Em São Paulo, Rio de Janeiro, seus livros ganharam novos espaços, para além das estantes das livrarias gaúchas. Surgem, então outros escritores como Marcelo Benvenutti, Cristiano Baldi, Paulo Bullar. E assim era firmada a idéia inicial da editora, de agregar trabalhos de escritores e publicá-los em seu pequeno catálogo undeground. Outros louros ainda vieram em seguida :Na terra natal, recebe o Prêmio Açorianos de melhor editora; em São Paulo, adaptações para teatro de suas duas primeiras publicações pelo grupo Cemitério de Automóveis; Em Milão, comemoração pela publicação dos já clássicos Ovelhas que voam se Perdem no Céu e Dentes Guardados, traduzidos por Patrizia di Malta.

O Fim
     
      A escolha do formato alternativo da editora – que os escritores preferiam chamar de cooperativa de escritores, inviabilizou a manutenção de suas publicações. Em dada momento, perceberam-se entre a cruz ou espada: criar livros ou distribuí-los. Optaram pela criação.
      O projeto, que nasceu dia o1 de outubro de 2001, que sempre foi encarado com certo afeto, cresceu em tamanho desproporcional ao desejo que os autores mantinham de dar corda à suas publicações, em um formato consideravelmente menor que o percebido, e sumariamente menos burocrático do que o constatado por Daniel Galera, que se viu entre a missão de escolher a carreira de escritor ou editor de livros. Sorte: preferiram escrever e traduzir.
     A livros do Mal, então, decreta, seu fim. Mas deixa marcada a ferro a sua marca: o famoso logotipo de tétrico pinto, que estampa os livros da editora , ficará lembrado não somente pela criatividade de Guilherme Pila, que o elaborou, mas pela emergência do reconhecimento de uma nova literatura – menos responsável, porém vigorosa – no Brasil. Mas seus escritores estão por aí, mantendo a fixação pelos mesmos personagens, pelas mesmas situações no sense, que caracterizavam o frescor de suas narrativas. Seus livros também não se foram, por sorte. Grande parte do catálogo original da editora pode ser facilmente encontrado em sites especializados, a preços razoavelmente módicos.
     Neste curto espaço de tempo em que a editora se manteve, muito do olhar comedido das mídias passou a direcionar-se na procura por novos escritores. Seu legado, além de quebrar paradigmas no modelo literário que insiste em perpetuar sua forma rígida e sua ojeriza por novidades, projetou para o público outros nomes, outras estéticas e a mesma compreensão da literatura como portfólio de um momento frutífero das letras brasileiras.